O verão de 2014 está fazendo São Paulo bater vários recordes de calor. Depois de registrar o mês de janeiro mais quente de sua história, desde que as medições oficiais começaram, o Estado atingiu outro marco na última sexta-feira, 7: o dia de fevereiro mais quente em 71 anos. Mas, afinal, por que está fazendo tanto calor em São Paulo? Se fosse um ser humano, daria pra dizer que ele está vivendo um inferno astral. Sistemas meteorológicos que provocam alterações bruscas no tempo resolveram coincidir neste começo de ano, dando origem a um verão atípico, marcado pelas altas temperaturas e secura no ar.
Os primeiros sinais ocorreram nas estações que precedem o verão. "Nós tivemos um inverno muito frio e muito seco no ano passado. As massas que vieram da Antártica removeram a umidade e deixaram a atmosfera mais seca na primavera. Pouco mudou no verão", explicou à EXAME.com o professor Augusto Pereira Filho, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (IAG).
ZCAS e ASAS: uma receita quente... bem quente
No início do verão também se desenvolve a Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS). Mas esse sistema, que é caracterizado por uma extensa área de instabilidade e que provoca muita chuva e nebulosidade por vários dias consecutivos, ficou mais ao Norte e causou enchentes em Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Mesmo assim, a maior parte das chuvas se concentraram sobre o oceano. "A água que deveria vir para reabastecer o Sudeste e Sul ficou lá", diz o especialista do IAG. Além disso, houve a intensificação de outro sistema, chamado de sistema de alta pressão subtropical do Atlântico Sul (ASAS), marcado por ventos quentes que oscilam entre o Brasil e a África. Por aqui, sua chegada causou um intenso bloqueio atmosférico, impedindo que o ar polar das frentes frias se espalhasse para o interior da América do Sul.
São Paulo está sob influência da alta pressão, que causa o fenômeno de subsidência do ar. O ar descende, aquece e fica mais estável e isso inibe a formação de nuvens e chuvas, segundo Augusto. "A falta de nuvens reduz e aumenta o fluxo de radiação solar que chega na superfície, ainda mais nesta época do ano. O albedo (quantidade de luz refletida de volta para o espaço sideral) das nuvens cai e resulta neste aumento de energia e maior temperatura na superfície somada à parcela do aquecimento produzido pela alta pressão", explica o especialista. O resultado é um calor muito mais intenso.
Segundo a meteorologista Josélia Pegorim, do Climatempo, o intenso bloqueio atmosférico que se formou no Atlântico Sul, também fez com que Uruguai, Argentina e Paraguai tivessem o calor muito acima do normal. "Sem as frentes frias, sem o ar polar para temperar com o ar quente, e com menos umidade, menos chuva do que o normal, as temperaturas têm ficado elevadas nesta época, quando a maior parte do Brasil tem dias úmidos e com chuva frequente", diz. Pelas previsões do Climatempo, este sistema de alta pressão, que age intensamente há três semanas no país, deve se enfraquecer na segunda quinzena de fevereiro, dando lugar para ondas de frio.
A mão do homem também tem participação nesse caldo
Não são apenas os grandes fenômenos meteorológicos que contribuem para essa situação. Este maior calor na região metropolitana de SP, segundo o professor da USP, é normal e uma consequência exacerbada da ilha de calor que ela produz, espécie de mudança climática local produzida pela urbanização. "A verticalização da cidade, urbanização, retirada de vegetação, impermeabilização, tudo torna o calor mais intenso, principalmente quando há ausência de nuvens", diz Augusto.
A USP faz medições meteorológicas no Parque do Estado e Fontes do Ipiranga há 80 anos. Estudos feitos pelo IAG mostram um aumento de 2,1 graus na temperatura média do ar da cidade nos últimos 70 anos. E neste período a umidade caiu 7%. "Isso tem ligação com aumento do desenvolvimento urbano", destaca o professor. "Nestas condições urbanas, experimentamos os extremos do tempo e do clima com chuvas locais intensas, enchentes, ventos fortes, trovoadas, granizo típicos de verão ou, menos frequente, seca e calor intensos", acrescenta.
Tendências globais
A esta altura, você deve estar se perguntando sobre a influência das mudanças do clima e do aquecimento global na criação deste forno paulista. A relação não é tão simples. Não há estudo que mostre relação direta entre o aquecimento do planeta e as altas temperaturas registradas por aqui. No entanto, com a tendência de aquecimento dos últimos anos, verificados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPPC), os extremos climáticos tornam-se mais comuns.
Um estudo da Organização Meteorológica Mundial (OMM), divulgado recentemente mostra que o ano de 2013 ficou entre os dez anos mais quentes desde que os registros modernos começaram, em 1850. Além disso, 13 dos 14 anos mais quentes já registrados na história ocorreram no século 21. “Quando se fala em mudanças climáticas e no IPCC, é comum as pessoas pensarem em projeções futuras, para 2100. Mas os últimos 50 anos já registraram aumento sistemático da temperatura. Isso mostra que existe uma consistência na tendência de aquecimento de longo prazo”, diz Tercio Ambrizzi, coordenador do Núcleo de Apoio a Pesquisa em Mudanças Climáticas da Universidade de São Paulo.
Segundo o especialista, uma das consequências da aceleração do aquecimento é a forma como a atmosfera reage. “Ela tenta voltar ao equilíbrio. Uma forma de conseguir isso é aumentar os extremos de clima, que têm ligação com os extremos de tempo. E esses eventos têm se exacerbado nas últimas décadas”. Um evento isolado, segundo Ambrizzi, não constitui um fato ligado às mudanças climáticas. “Mas quando eu olho e faço a somatória de vários eventos, como o frio recorde nos Estados Unidos esse ano e o calor recorde na Europa em 2012, vejo que eles estão muito mais intensos”, pondera.
Fonte: Portal Exame/Abril
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